Desde os 23 anos tenho esse meu ritual de assistir um filme do Bergman a cada seis meses. É ao mesmo tempo um exercício pedagógico, uma obrigação auto imposta e um vício. Trato como um remédio, uma espécie de choque de gestão semestral, como se eu dissesse pra mim: "toma, sua idiota mimada, vai aprender o que é a vida, a beleza e a crueldade".
Faço isso há tempos; lá se vão sete anos. Mas até hoje eu realmente não sei o que sinto pelo Bergman. Não sei qual meu filme preferido do Bergman. Na minha falta de conhecimentos cinematográficos, nunca consegui ficar magnetizada com nada do Bergman - ele não tem aquela piração perfeccionista do Kubrik, nem aquela fotografia maravilhosa que o Christopher Doyle faz nas coisas do Wong Kar-Wai, nem o charme cafajeste do Fellini, nem o brilhantismo do Godard, nem a cafonice podrona-maravilha do Almodovar. Nope. Nada.
Gosto do Bergman porque ele é simples. Ele não tem nada de difícil. Nada de virtuoso, fenomenal. Acho até que ele devia ser um sueco feio de meias e chinelo. Não existe catarse, não existem grandes projetos, não existe final - nem triste, nem feliz. Gosto do Bergman, acho, porque ele é cru como uma porção morna da comida que a gente come todo dia.
É raro, mas de vez em quando eu deito na cama e choro, sempre de noite, mas por nada. Por nada mesmo, no sentido típico, pela solidão inexorável que nunca nunca nunca vai ter remédio, por ter feito da vida isso e aquilo, por não ter escapatória para além de acordar no outro dia e ter que escovar o dente, conversar, fazer o café, tédio. Às vezes eu choro, ou durmo demais, ou falo demais, ou fico quieta porque pra lá das minhas plantas e afazeres diários não existe muita coisa, mesmo. Uma caixa cheia de memórias, narrativas desconjuntadas e esperanças mais ou menos obscuras, pronto, é só isso que eu consigo ser.
O Bergman resolveu parar na frente desse vazio e ficar olhando, como se fosse o filho dele brincando no parquinho. A impressão que eu tenho é que ele abraçou isso e nunca teve pressa pra resolver. Eu gosto do Bergman, acho, porque ele me faz sentir acompanhada pelo meu nada próprio e até a fazer festinha pra ele. Eu adorei o último filme que assisti do Bergman, no começo da semana, porque a personagem principal chamava Marianne, como eu, e a atriz era a Liv Ullman. Mas ficou muito triste depois da terceira hora e eu resolvi assistir o resto no semestre que vem.
Eu gosto do Bergman do mesmo jeito que eu gosto de deitar no chão e ficar de olho fechado, sem ninguém por perto, sem esperar. Ali.
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
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Um comentário:
depois da terceira hora!!! uia. é muita hora, né?
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