terça-feira, 15 de abril de 2008

fui à floresta

Devia ter uns nove anos quando demos uma caneta tinteiro bem cara de presente para meu pai. Para testá-la ele escreveu numa folha em branco:

fui à floresta com grandes esperanças
chegando lá, só havia plantas e árvores
e quando havia pessoas, umas eram iguais às outras

Achei aquilo tão bonito que reli umas quinze vezes e memorizei para sempre. Ele me contou que era um excerto de uma estrofe de "A Tabacaria". Fui olhar os versos originais. Demorei um pouco para reconhecer, mas estavam lá, afinal, e na verdade são assim:

Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.

Gosto do poema inteiro, mas nesta partezinha ainda hoje gosto muito mais da versão do meu pai do que da versão do Fernando Pessoa. De vez em quando, desde aquela época, lembro deles. Hoje de manhã, enquanto pendurava o casaco e o cachecol antes de entrar na plenária do Conselho de Direitos Humanos, retomei mentalmente o tema da sessão que iria assistir e tive um daqueles momentos em que se revisa a vida inteira em trinta segundos.

Ele foi precedido por aqueles versos. Pensei sobre a diferença entre trabalhar no Estado e na sociedade civil, e de repente nenhum dos dois me agradou. Desde este lugar onde eu agora estou, aqui, em Genebra, no prédio do Palais des Nations, ambos parecem exatamente duas faces da mesma coisa. Senti como se ambos fossem, na verdade, uma merda bem grande, e naquele momento eu soube que as agendas políticas estão sempre acima de qualquer direito, e que - como diz o personagem do Thomas Bernhard - estas pessoas não se relacionam entre si. mas só os títulos, e que as pessoas, grosseiramente falando, não contam na humanidade, importantes são apenas os títulos. Olhei em volta e achei a ONU, ela também, uma merda. Fiquei com ódio súbito do pavão que eles criam no jardim. E rematei, em pensamento: nada mais apropriado para a ONU do que pavões andando all around.

Diante do cabideiro, senti-me uma apátrida. Incapaz de pertencer integralmente à Academia. Incapaz de pertence ao Estado, à sociedade civil ou a uma organização internacional. Incapaz até mesmo de pendurar meu casaco no cabide.

Sinto vontade de ir embora da Suíça. Ou pelo menos de sair desse prédio horroroso e comprar um relógio, ver Blueberry Nights, tomar um copo de café e comer um pão com queijo, ver um vestido amarelo e um par de sapatos comprar meias-calças novas provar uma garrafa de vinho diferente andar de metrô ônibus trem avião caminhar a pé ao longo do lago fumando no frio até ficar bem cansada e depois uma xícara de chá, de água, de suco de cerveja, de vinho, de tudo tudo tudo até o limite dos tempos até o limite das forças para dentro do que é real inteiro privado e compreensível. Eu tenho o saco realmente cheio eu só tenho vontade de sair pra qualquer lugar ainda que seja um deserto a antártida um campo de grama sem fim mas que seja meu só meu, com começo e fim.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

o incômodo agudo eventualmente produz no eu alguma iniciativa de ação transformadora, portanto pode ser benéfico em determinadas circunstâncias

Esse é definitivamente o meu blog causador de infortúnios.
Algumas vezes cheguei a sentir que ele poderia explodir a minha vida pessoal em cinco minutos.
Muitas pessoas já ficaram irritadas com ele. Algumas se emputeceram realmente, outras ficaram tristes, outras fizeram comentários desaforados em protesto.
Teve bastante gente, eu imagino, que se sentiu overexposed. Deve ser péssimo sentir-se assim.
Eu já defenestrei alguns posts por culpa.
Talvez eu realmente fale mais do que deveria.
Estes dias, por exemplo, li uma chamada no jornal que dizia algo como "os tagarelas são a voz do diabo porque nos retiram das águas profundas da reflexão". Percebi que falavam comigo. Foi um horror.
Provavelmente o melhor lugar pra refletir seja mesmo o divã de análise.
Estou de férias dos dias de ter sono durante o tempo que esta minha específica crise de consciência durar.