sábado, 30 de junho de 2007

o que não se diz

Pego minhas coisas pra ir pra casa, mas antes de sair você fala pela terceira vez o quanto você quer tomar um vinho com aquela menina que é tão bonita, e me pergunta se deve. Eu te olho com o rosto de, um rosto que eu não vejo, mas que deve ser aquele de quem não se importa nem um pouquinho, aquele que eu sei fazer muito bem, porque treinei bastante pra vestir em situações assim. "Se você quiser", eu digo, e quando fecho a porta ainda dá tempo de ouvir você falando que liga mais tarde.
Eu durmo e quando acordo ainda é de noite, e eu não sei se você ligou. Meu telefone desligado. Na verdade eu não queria mesmo saber sobre a sua ligação, ou ponderar, ou ter que pensar por que é que você continua me dizendo o quanto é bom ler um livro do Caio Fernando Abreu falando sobre amor, ou comprar uma casa com quintal e não ter que trabalhar tanto, ou que as pessoas são um saco mas veja que você, Mariana, eu gosto tanto quando você usa seu vestido verde, e eu preciso te dizer o quanto eu me importo com o que você se importa, se cachorros são melhores do que gatos, ou se é preciso ter um carro tão bom assim. Qualquer coisa, no entanto que seja tão pequena que contá-la é como te dizer, Mariana, este é um segredo, e ele é muito maior do que ligar, porque ligar é mudar tudo, e quem quer a mudança?
(Eu, sim. Você, não.)
Então você me pergunta se deve convidar esta garota pra tomar um vinho (você nunca vai tomar o vinho com ela, claro), e olha pra mim, porque na verdade eu sei, como você sabe, que ontem você passou no mercado e comprou o vinho que eu gosto. E eu respondo "se você quiser", que é pra te dizer que entendi. E voltamos pra casa, você e eu, com este estúpido segredo que ninguém entende, a não ser nós dois, e eu estou cansada dele, então desligo o telefone, que é pra não sentir saudade de você quando estiver andando de manhã em Sarajevo e vendo uma daquelas coisas que me lembram do que a gente nunca viveu.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

uma semana para sarajevo

Viseira de cavalo: Bósnia, Nestor e eu. Nada mais cabe. Só o óbvio. Pegar o avião, alugar uma bicicleta quando chegar, comer qualquer bobagem. Andar de tênis e mochila. Fotografar um pouquinho, conhecer quatro suecos lindos. Dormir muito muito muito. Eu tenho medo de vôos internacionais, mas no fundo eu gosto tanto. Como não ter casa e nem ninguém. Eu adoro e amo partir. Acho que é um vício, mesmo.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

o que há dentro dos olhos do nestor

Chegar em casa, tomar um banho e comer qualquer coisa. Depois sentar no computador escrever fumar tomar coca light ouvir uma música baixa no meio dos livros até ter que parar. Vida ordinária. Mas o mundo inteiro dentro dos olhos do meu cachorro, dormir e sonhar.

domingo, 17 de junho de 2007

pequeno como

Você toca o meu cabelo, e eu tenho vergonha, porque não tenho vergonha de nada, mas ainda não sei reagir a você tocando de leve no meu cabelo. E nada acontece, a não ser você rindo um pouco antes e um pouco depois, mas eu não rio. Eu quero encostar no seu cabelo também, mas não faço nada, fico quieta, olho pra baixo e acendo um cigarro bem devagar. Faço um olhar blasé qualquer, saio de perto de você como se estivesse precisando de mais um copo de bebida, atravesso toda a festa pra pegar a bebida que eu não quero tomar, volto e você ainda está no mesmo lugar, me olhando. Então eu sento, falo uma bobagem, que é pra você ir embora, procurar outra coisa, enquanto eu, sentada no banco, digo pra mim mesma que um dia, pode ser, se as coisas forem diferentes, a gente se encontra num outro lugar, numa outra hora e. No dia em que eu estiver correndo pra fazer qualquer coisa, saindo do trabalho às seis com um monte daqueles papéis que eu sempre carrego e não leio, com minha bolsa roxa grande, cantando uma musiquinha besta dos Beatles que eu não consigo tirar da cabeça há anos, e que você vai reconhecer. Vou gostar do seu comentário bonitinho, e sem querer vou mexer no seu cabelo, e sem perceber vou ter mexido no seu cabelo, você vai entender, eu vou rir. No dia em que não tiver uma bebida, um cigarro, uma bobagem pra dizer pra você ir; no dia em que você puder mexer no meu cabelo, no dia em que eu puder mexer no seu, e no dia em que as gotinhas de tempo pinguem devagar, que é pra mais ninguém ver porque é pra ser um segredo, como a musiquinha boba dos beatles que você conhece e eu também.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

tsunami

"The Great Wave at Kanagawa" é a pintura que um tal Katsushika Hokusai fez em algum momento entre 1760 e 1849 e que é justamente o que o título diz: um tsunami terrível que arrasta o monte Fuji e dois barcos cheios de pessoas vestidas com roupas marrons.
Eu gosto muito. Fofura terrível; a onda tem rendinhas brancas que parecem mãos levando todo mundo embora.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

all is full of love

Às criaturas plásticas, às fibras ópticas multicoloridas que enfeitam nossa sala, aos móbilis de coração e mastigadores de cães, e às onipresentes luvas-de-pegar-cabo-quente-de-panela:
all is full of love: it's all around you (cf. Bjork, muito parecida, a meu ver, com um charmosíssimo pinguim de geladeira).

respeito aos seres inanimados

O carro estragou de vez hoje de manhã, e isso me fez pensar sobre o pouco discutido tema dos sentimentos dos seres inanimados. Porque eu ia levá-lo - o carro - para uma revisão ontem mesmo, mas decidi adiar porque tinha que pegar alguém no aeroporto à noite.
Fui no aeroporto e um dia depois é o fim de mais uma historinha de amor que podia ter se transformado em domingos de ter sono de manhã e depois vamos ler o jornal juntinhos para esquecer as notícias tristes, com filme e inverno. Fui no aeroporto à noite e no dia seguinte, saindo pro trabalho, o carro enguiça e quase que não chega no ministério.
Eu fico com a certeza que meu carro me avisava, quando ainda funcionava: cuide de mim, largue esse moço do aeroporto. Não me ouviu, pifei. Assim você aprende a cuidar de quem te tem afeto e a deixar os ingratos pegando taxi no frio.
No fim das contas aprendo a amar e respeitar os conselhos de saboneteiras, despertadores, secadores de cabelos e persianas horizontais. Seria bom ter aprendido a lição antes, assim poupava os 1.100 reais da revisão do carro e um brand-new coração em caquinhos.

sábado, 2 de junho de 2007

sobre sábados de sol e telefones

O telefone laranja tocando. Nestor não ouve e não late; eu atendo enquanto ele dorme. Aí tem notícias que poderiam ser boas num sábado à tarde com sol e vontade de regar as plantas e organizar os livros e ver o desenho da Chihiro. Toca o telefone e eu espero que o sábado de sol seja tão grande com essas coisas bestas de sábados depois do almoço um banho gostoso vamos levar o cachorro pra passear e isso é bom comer uma salada com macarrão ler o jornal na sala dormir esquecer a hora e acordar lá pelas seis trabalhar um pouquinho, quem sabe, conversar dormir. Mas tirar o telefone do gancho, ouvir e falar enquanto Nestor dorme, e minha vontade então é de deitar ficar na cama, só que eu levanto da cadeira, faço compras sozinha, encontro um dvd barato nas Americanas esbarro numa amiga querida que procura berço pro neném como um brigadeiro num café qualquer uma coca light passo em outro mercado compro água mineral, chego em casa e arrumo tudo. Nestor não quer comer, então dou comida pra ele na mão (ele está muito magro). Já são dez, começa a esfriar, vou tomar banho e escrever no computador alguma coisa até mais tarde.
Faz frio. Tem um vinho e taças novas brancas na cozinha. Faz frio porque é inverno. Sábados de sol, uma música qualquer tocando enquanto o Nestor dorme de novo, e o telefone está desligado, porque telefones alaranjados devem ficar desligados nos sábados para evitar corações partidos.

p.s.: Berlin, do Lou Reed

sexta-feira, 1 de junho de 2007

nova casa e um cachorro de bolinhas

Me mudei pra uma casa maior. As coisas ainda estão empacotadas, mas desempacotei o cachorro Nestor, um linguiça estranhamente branco de bolinhas pretas que ronca muito quando dorme e não ouve nada.
A casa é linda, tem uma escrivaninha grande o mesmo tapete de coração minhas plantas e mudas de temperos os dois cds novos da Marisa Monte e o quarto com o pé direito alto. Tem dois banheiros com portas-toalha em forma de um pato amarelo de plástico. Em cima da mesa tem uma girafa de madeira que a Júlia trouxe da África do Sul.
O tapete branco com bolinhas vermelhas chega amanhã da lavanderia pra combinar com o Nestor.
E chego em junho aqui. Maio vai embora e as coisas já começam a ter forma. Todo dia, por exemplo, acordo bem cedinho pra levar o cachorro passear, e à noite faço a mesma coisa. Passamos, os dois, na frente das várias igrejas (umas três) que existem aqui perto. Eu fico ouvindo as pessoas cantarem muito e muito alto, e acho bonito. O Nestor não consegue ouvir as pessoas, mas acho que ele entende, porque abana muito o rabo quando estamos na frente delas.