quarta-feira, 30 de junho de 2010

sonhei...

... que lambia a pelinha do seu olho, aquela bem lisinha que prende os cílios de baixo. Sabe?, a que a gente puxa quando quer descobrir se tem anemia.
Acordei querendo lembrar do sabor, mas só tinha gosto de quarta-feira de manhã.

para

Para tudo que foi dito antes do tempo. Para a sua hipocrisia: hey, gosto tanto de você, sinto uma saudade boa de te ver. Especialmente por saber o óbvio pelos outros. Para tudo que eu queria que você tivesse dito pra mim: a gente pode, vamos, what if. Para o dia em que te vi deixando no meu copo uma lágrima que nunca saía, mas que eu conseguia ver, redondinha e brilhante. Para o seu sono infinito e deprimente. Pelo meu ódio contido. Para o meu nojo das suas músicas preferidas. Por tudo que eu não te disse. Para minha vontade de te bater. Para o seu corpo sem músculos. Para o meu corpo. Para as noites de frio em Brasília. Para uma distância qualquer. Para o meu amor infinito mas sem sentido. Para minha adolescência indefectível depois de um copo de vodka. Para você, que foi menos que meio, que foi menos que quase, que foi um sinal de reticências. Eu digo "quando", troco de roupa, olho o relógio, saio sem dizer as horas.

domingo, 13 de junho de 2010

love´s not a lost land

Eu vejo, assim, a trepadeira sem folha dominando o muro inteiro da casa dos meus pais em Curitiba. "Deve estar morta", diz meu pai no domingo de manhã, "faz um ano que já não dá folha". Faz frio, mas de manhã sai aquele sol-que-dura-uma-hora, e eu fico ali com o cachorro, como eu fazia quando morava aqui. Sentar no chão enquanto tem sol, e quando ele vai embora, entrar na casa gelada. O cachorro vai no meu colo, manca e anda devagar; acho que está doente.
Dizem que no inverno da Escandinávia as pessoas saem na rua pra tomar sol, simplesmente. Aqui é igual. O clima me dá alergia instantânea: chegar e ficar com o nariz entupido. Sempre odiei. Sempre odiei o vento encanado na XV, minha sala horrorosa no prédio-fantasma da faculdade de direito, ter que esquentar a calça jeans embaixo da coberta pra poder vestir de manhã quando faz frio, as pessoas usando jaquetas de couro feias de matar. Sempre odiei o complexo de bares da Carlos Cavalcanti, os festivais de pieroghi, um certo sentimento de cidade do interior e, acima de tudo, sempre odiei um certo modo de vida Madalosso de final de semana.
Esse inverno aqui está horroroso, parece que começou em março. Mas eu gosto desse frio, estranhamente. Mas dessa vez eu gosto de estar aqui, estranhamente. Das pessoas, das memórias, do meu quintal. Dos mesmos amigos, das mesmas histórias, de fotografia, de tudo. Do não-descartável da vida, do compromisso, do amor. De tudo que tem de denso, lento, abismal no frio e nas cidades que nos significam. E assim, simplesmente, percebo que eu sou definitivamente uma pessoa de invernos, e que é bom estar aqui de novo. Love's not a lost land.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

última palavra


Drink up, baby
Look at the stars.
And I'll kiss you again
Between the bars
Where I'm seeing you there
With your hands in the air
Waiting to finally be caught




Nesse dia, meu amor, disputamos o poder da última palavra. Nós dois: eu te olhando daqui, enquanto você, do lado de lá da mesa, explicava que era minha hora de escolher - touché.

Eu te vi mais uma vez trilha sonora bem feitinha, um acorde encaixado no outro, com as sempre guardadas e devidas proporções, o cabelo desalinhado combinando sem querer com o casaco e o tênis velho. Você, escondido no fundo da pista de dança, low profile e sexy, falando baixinho, dizendo distraído a coisa certa, enquanto eu, desastrada e sem medidas, derrubo mais uma vez a xícara de café em cima do meu livro de literatura.

Você, meu amor, nunca vai precisar disputar a última palavra comigo. Eu já escolhi (você também?), e agora tanto faz quem vai dizer o quê por último - você, reservado e blasé, é sua, não faz diferença pra mim, a última palavra pode ser sua. Não importa mais.


... enquanto você toma um café expresso e eu arrumo o cabelo devagar, memórias desfeitas, quilômetros de distância.