De repente, Nada. Com letras maiúsculas, mesmo - esse Que-Não-É.
Isso que não tem nome ou futuro: a absoluta falta de planos, de desejos pulsantes de ser isso ou aquilo outro - uma renomada militante de direitos humanos, uma artista plástica fenomenal, uma nadadora invencível. De um dia para o outro, atravessar a rua para pegar o cachorro que foge, o silêncio às sete e meia da noite, a singela volta pra casa, comer fumar dormir e só. Pão com queijo, café com leite, uma cerveja meio quente, um edredon quentinho com uma das janelas abertas. Sem música. Sem ler o jornal do dia. Sem ligações 'estava com saudade e fiquei com vontade de te dizer boa noite'. Sem medo. Sem vontade de dormir um pouco mais. Sem hidratante com cheiro de baunilha e sem novos shampoos anti-frizz.
Sem mais nem menos, assim, tão besta, você não quer voltar o tempo pra fazer tudo certo. O certo, aliás nem faz sentido mais. Passou aquela raiva, a rejeição intragável, a vontade de quebrar a casa dele e queimar as cartas e fotos que sobraram. Acabou a espera, e sobretudo acabou a esperança. O amor, este parece que nunca existiu. Também sumiu a presença deste fiozinho tão besta que liga os anos que passaram, as tardes em Curitiba e os dias de neve em Nova Iorque com a manhã de hoje, que estava fria e bonita como costuma acontecer durante a seca de Brasília. A lembrança existe e é inerte.
Um dia você abre a porta de casa para trabalhar e depois volta, oito horas mais tarde. Sem estar cansada. E assim, nem mais nem menos, esquece de ligar o som. O cachorro surdo dormindo esquece de fazer a festinha usual, e você abaixa, pega no colo, faz um cafuné e ele te sorri o seu esplêndido sorriso de cão. A tpm do mês passou e você nem percebeu. Já é sexta-feira, e você nem notou. Os ipês na Esplanada floriram, você se dá conta singelamente.
Talvez seja um efeito de Persona, a Liv Ullmann tão linda e tão culpada que subitamente resolve parar de falar. Ou os vários cds do Arnaldo Antunes, as infindáveis sessões de análise, os quilos que eu perdi nos últimos meses. Como diria a Julita, a salvação é perceber que se está completamente fodido; aí começa tudo. De repente, o Nada, o terrível e insípido Nada, se converte no maravilhoso que é ser o absoluto do avesso, o escuro que consome tudo devagar sem deixar nem vestígios nem mágoas, a possibilidade ilimitada de ser, ou simplesmente a leveza de tornar-se qualquer coisa que não tem e não precisa de nome.
quarta-feira, 11 de junho de 2008
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Um comentário:
e dai vc fica feliz e pronto. ah, ou pelo menos eu...
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