domingo, 16 de março de 2008

do amor e suas trilhas sonoras

Com 19 anos, depois de três anos de namoro-água-com-açúcar, eu estava de saco cheio de amor estilo Cardigans love me love me say that you love me, i don't care about anything but you, e estava preparada para uma história de amor trilha sonora dramática. E se fosse Cardigans, que pelo menos pulasse para leave me leave me, say that you need me. Não deu outra, e meu namorado de seis meses, até os 20, foi um daqueles músicos estilo tragédia constante, lindo e fracassado, que se apaixonou me observando pegar o ônibus com meus livros de literatura embaixo do braço às seis e meia da manhã, indo pra faculdade com cara de sono e ramela no olho. Dramático que só, ele cantava pra mim só tinha que ser com você, e cinco minutos depois tinha doze crises de ciúme te-odeio-não-podemos-ficar-juntos-blá-blá-blá-blá-eu te amo. Olhando pra trás, sim: a não ser pelo fato de não gostar nenhum pouco de cocaína, ele era o Lobão encarnado. Eca.

Eu saí acabada. Mas eu queria um pouquinho mais de desgraça e fiquei com um dos melhores amigos dele: dez anos mais velho, dez anos mais legal, nem tão sexy assim, mais inteligente, professor de literautra, sucesso na vida. Eles brigaram, e nós vivemos um ano e meio juntos. Pra mim, eu quero a sorte de um amor tranquilo; pra ele, ilhas mariana do norte, fazendo músicas nas quais eu era um abismo infinito onde ele se perdia sem fim ... Foi a única vez, acho, em que eu me senti verdareiramente a Ruby Tuesday, absoluta necessidade de ser livre, e você aí, pedido de casamento, e eu não posso viver sem você. Quando terminou foi ruim. Me senti culpada, como se tivesse estragado a vida de alguém. Bobagem, bobagem. Depois disso ele foi feliz, acho. Ficou com raiva da minha indiferença, perdemos contato. Estes dias tentei ligar, o telefone mudou. Um dia nos cruzaremos em algum café de Curitiba, eu com os meus filhos, ele com os dele, sei lá, ou tomaremos uma cerveja. Ou mais provavelmente nada: a gente pode até já ter se cruzado na rua e não ter se reconhecido.

E aí houve houve Nova York, 22 anos, o momento de encontrar o amor da vida, mas ele vivia no far, faraway, e eu era brasileira tendo que voltar pra terminar o curso de direito no Brasil. Então dois meses antes de voltar eu escutava a trilha de In the Mood for Love, o filme que a gente costumava assistir juntos pelo menos duas vezes por mês, e chorava. Chorava de madrugada no meu apartamento da esquina da 28 com a 3ª avenida, chorava no avião de volta pro Brasil - 12 horas em pranto interrupto, e a aeromoça, preocupada, trazendo lencinhos -, e chorei mais um ano, compulsivamente, mesmo estando com outro menino que me dava colinhos e colocava musiquinhas do White Stripes pra me acalmar. Chorei de novo quando ele veio pro Brasil me ver por duas semanas, e quando ele partiu de uma vez pro Uruguai e depois pra China e pra Tailândia eu fiquei duas semanas no quarto ouvindo a Cat Power cantar I found a reason - I do believe in all the things you see, and with you what comes is better than what came before, so you'd better come to me, and you'd better run run run run run to me.

Acho que dessa história eu nunca consegui me recuperar direito, e até hoje quando escuto o Covers Record da Cat Power eu sinto um aperto na garganta, saio de perto, digo pra mim mesma que nada disso aconteceu. Depois do Michael, pra esquecer a dor quase física da distância, teve a minha fase de absoluta obsessão pela libertação completa, estilo Peaches, fuck the pain away. Aí, dos 25 pra frente, how does it feel to be on your own, with no direction home, like a rolling stone, eu entrei no momento um pra lá, dois pra cá, me apaixonando por qualquer um, indiferentemente, por inércia, e depois enjoando de todos eles e dizendo pra mim mesma como foi que você ficou com esse cara... Do fotógrafo mais novo ao gótico podrão, do hippie magrinho ao economista promissor, do amigo maluco ao jornalista mais velho, eu tive tantos amores e não tive nenhum. Lo Boob Oscilator, Stereolab, quase uma compulsão por engolir o mundo, todos os sons e no fundo uma vozinha tão doce cantando em francês, quase uma esperança, essa coisa perfeita e horrorosa que é o noise.

Eu achei que não havia mais jeito, e no meio de 2007, sploft. Eu quero casar com você, vamos para qualquer lugar que não seja aqui, parecia a materialização perfeita, no meio do mundo ordinário, de i'll be your mirror, reflect what you are in case you don't know; please put down your hands, 'cause I see you. Tinha tudo pra dar certo e tudo pra dar errado, e lá vamos nós. Um salto no escuro, nenhuma defesa, eu sei que eu posso acreditar, eu sei que você pode acreditar também. E tudo parecia perfeito: os móveis da casa dele, o box do Velvet que ele tinha em cima da estante, a assinatura da Folha e a mania de ler o jornal antes de dormir. Eu fiz planos pra festa de aniversário de trinta anos que iríamos organizar pra ele no ano seguinte, pro nosso doutorado no exterior, pras nossas férias em Buenos Aires. E aí, de um dia pro outro, Flaming Lips no cd player - suddenly everything has changed. Eu nunca entendi direito por que ele foi embora, e ele nunca fez muita questão de me explicar certinho o que aconteceu. Eu sofri sofri sofri, por quê por quê por quê. Com o tempo a dor que parecia eterna-vou-morrer passou. Acho que provavelmente foi covardia dele, essa coisa de transformar a própria vida numa caixinha miserável e permamentente trágica, justificada com mil explicações racional-existencialistas, inclusive a de que love, love will tear us apart again. Sei lá. Eu só sei que Velvet nunca mais foi tão legal, e eu mesma comecei a achar I'll be your mirror uma música enjoativa, e concluí que, mesmo a Nico, quando cai nessa de amor incondicional, fica muito chatinha.

Comecei a fazer análise pra entender qual é o movimento viciado que eu ando repetindo em todas estas histórias. Ainda não descobri, embora minha analista me ofereça suas muitas opiniões perspicazes e inteligentes ao fim de cada sessão. Não ando mais ouvindo muitas músicas de amor. Ném músicas de mulher independente, estilo Portishead. Eu tenho escutado muito Morcheeba, especialmente o Chorango. Também Andrew Bird, Yo La Tengo e o último disco do Arnaldo Antunes. Não sei o que isso quer dizer.

quinta-feira, 6 de março de 2008

falando sobre dissertação

A mim não importa muito saber exatamente quantos morreram em episódios de genocídio como o holocausto, a tomada de Srebrenica ou Ruanda. Eu acho que o mais importante não é conhecer se quem perpetrou os assassinatos foi uma elite burocrática movida por ideologias ou inércia, ou uma população inteira segurando machetes baratos com as mãos. Se os armênios seguiram caminhando caminhando caminhado até desaparecem da face da Terra, ou se os tutsis em situação de refúgio tiveram que ficar escondidos quando nos campos da ONU para que mesmo lá não fossem exterminados. Ou se as vítimas em Darfur são alvos de perseguição política, de disputas por recursos econômicos ou por motivos religiosos.

A mim importa a memória de que aconteceu de verdade, sobretudo. Enquanto há a lembrança ressignificada na atualidade dos tempos, há a consciência de que é possível haver o sofrimento estendido uma vez mais. Eu tenho horror ao esquecimento do genocídio, talvez mais ainda do que ao genocídio em si.