sábado, 30 de junho de 2007

o que não se diz

Pego minhas coisas pra ir pra casa, mas antes de sair você fala pela terceira vez o quanto você quer tomar um vinho com aquela menina que é tão bonita, e me pergunta se deve. Eu te olho com o rosto de, um rosto que eu não vejo, mas que deve ser aquele de quem não se importa nem um pouquinho, aquele que eu sei fazer muito bem, porque treinei bastante pra vestir em situações assim. "Se você quiser", eu digo, e quando fecho a porta ainda dá tempo de ouvir você falando que liga mais tarde.
Eu durmo e quando acordo ainda é de noite, e eu não sei se você ligou. Meu telefone desligado. Na verdade eu não queria mesmo saber sobre a sua ligação, ou ponderar, ou ter que pensar por que é que você continua me dizendo o quanto é bom ler um livro do Caio Fernando Abreu falando sobre amor, ou comprar uma casa com quintal e não ter que trabalhar tanto, ou que as pessoas são um saco mas veja que você, Mariana, eu gosto tanto quando você usa seu vestido verde, e eu preciso te dizer o quanto eu me importo com o que você se importa, se cachorros são melhores do que gatos, ou se é preciso ter um carro tão bom assim. Qualquer coisa, no entanto que seja tão pequena que contá-la é como te dizer, Mariana, este é um segredo, e ele é muito maior do que ligar, porque ligar é mudar tudo, e quem quer a mudança?
(Eu, sim. Você, não.)
Então você me pergunta se deve convidar esta garota pra tomar um vinho (você nunca vai tomar o vinho com ela, claro), e olha pra mim, porque na verdade eu sei, como você sabe, que ontem você passou no mercado e comprou o vinho que eu gosto. E eu respondo "se você quiser", que é pra te dizer que entendi. E voltamos pra casa, você e eu, com este estúpido segredo que ninguém entende, a não ser nós dois, e eu estou cansada dele, então desligo o telefone, que é pra não sentir saudade de você quando estiver andando de manhã em Sarajevo e vendo uma daquelas coisas que me lembram do que a gente nunca viveu.

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